23 de jun. de 2012

João da Costa: Prefeito do Recife


Por Carlos Henrique Árabe, direto de Democracia Socialista

Com a reeleição do presidente Lula em 2006, o sistema eleitoral brasileiro já delimitou o prazo mínimo de quatro anos, para que a soberania popular, através do voto direto e secreto – reconduza ou não o candidato ao posto majoritário.
João da Costa em Recife é candidato à reeleição. O deputado federal Maurício Rands o desafiou para uma prévia partidária. Não é bom o histórico do Partido dos Trabalhadores frente a acontecimentos deste tipo. O desgaste frente à administração petista é evidente, pois como se sabe, o debate “interno” é público, com ampla cobertura da imprensa. Nem sempre a discussão fica circunscrita à defesa de teses programáticas e de propostas para a cidade. No mais, transborda para aspectos menores, com grande capacidade de promover o desgaste. 
Depois de cada disputa política interna é sempre bom perguntar: como fica o dia seguinte? Pois sabemos que o que conta mesmo na disputa é a unidade do partido e a unidade de todas as lideranças em torno do objetivo comum. Para os adversários, o que é julgado é o governo do partido. Para o povo vale o PT.
Em 2008 o atual deputado federal João Paulo concluía o seu segundo mandato e apoiou a indicação pelo PT do já eleito deputado estadual e secretário municipal João da Costa, que terminou por ser o candidato de consenso de todo o partido. No dia 20 de maio, o PT realizou uma prévia para a escolha do seu candidato às eleições de 2012. 
A prévia mobilizou milhares de filiados, sendo amplamente debatida na imprensa local. Recife é uma grande e linda cidade governada pelo PT há três gestões. Um povo politizado, com uma bela história de lutas, com forte presença da esquerda e um eleitorado que se identifica majoritariamente com o PT.
Assim foram apuradas as urnas, lavradas as atas e proclamado o vencedor: João da Costa. Após, e só após o processo corrido, e conhecido o resultado, o candidato derrotado e seus apoiadores recorreram à Comissão Executiva Nacional (CEN) para anular o pleito. 
A Comissão, em reunião no dia 24 de maio, anulou as prévias ocorridas não por haver fraude, mas por ter identificado desacordo com as orientações nacionais do partido. Marcou outra prévia para o dia 3 de junho. Esta seria realizada sob a coordenação de uma Comissão indicada pela CEN. A resolução da CEN finaliza da seguinte forma:
“A Comissão Executiva Nacional cuidará para que os dois candidatos e seus apoiadores honrem o compromisso, formalizado na reunião, de buscar unidade no transcorrer do processo e, caso não haja acordo, acatem o resultado da prévia e apóiem o vencedor.”
Até aqui não há dúvida que cabe aos filiados e filiadas do PT do Recife decidir quem disputará a eleição em nome do partido, que tem um processo em curso e que precisa ser finalizado.
O deputado Maurício Rands retira a sua candidatura . O prefeito João da Costa não. Ele também não manifesta acordo em encontrar um terceiro nome. Mantém o mais que legítimo propósito de candidatar-se à reeleição.
No dia 30 a Secretaria de Organização comunica que a prévia foi cancelada, por desistência de um dos concorrentes.
No dia 5 de junho a CEN reafirma a anulação da prévia do dia 20 de maio e formaliza o cancelamento da prévia convocada para o dia 3 de junho. E vai além: emite uma opinião que o processo conduzido até agora se esgotou e que um terceiro nome para encabeçar a chapa é um imperativo para a vitória. Vai além do que permite o Estatuto partidário e erra. Erra muito.
Existe um processo em curso para a realização de uma prévia, mas esta é cancelada porque um concorrente desistiu. A Executiva Nacional quer um acordo, mas não tem acordo. Interrompe o processo a partir de uma opinião política de maioria, inspirada por um imperativo para a vitória e diz que o candidato é o senador Humberto Costa!
Nunca se viu isto no PT!!!
O que conta então é só a opinião política da maioria da direção? E a democracia partidária? E o Estatuto?
Mesmo na trágica intervenção do Diretório do PT do Rio de Janeiro em 1998, cancelando a candidatura própria do PT e apoiando Garotinho do PDT, havia uma razão pública e política para a intervenção. Qual seja, o ex governador Brizola e o PDT exigiam para realizar a aliança nacional que o PT apoiasse o PDT no Rio. 
No caso do Recife em 2012 não existem razões públicas para a intervenção. Até agora tampouco o PSB e o governador Eduardo Campos expressaram que preferem este ou aquele candidato do PT. Ao contrário, depois da indicação do senador Humberto Costa, as manifestações por parte do PSB são no sentido de apresentarem um nome próprio para a disputa.
Tampouco em Recife houve uma intervenção. Para tal é preciso um processo. É preciso dizer porque não vale mais a decisão dos filiados do PT em Recife. É preciso valorizar as regras democráticas da disputa. Não é correto alterá-las no meio do processo, sem base estatutária. Também não há guarida para isso na delegação de poder, pelo DN à CEN, para a homologação de chapas nas cidades prioritárias.
Outra questão não menos importante.  Recife é uma cidade vermelha. Uma cidade petista. O povo quer eleger o PT. O senador Humberto Costa é figura pública do partido das mais queridas, com um mandato recém conquistado dos mais úteis para o nosso projeto, com um futuro promissor junto com o PT do seu estado. Não vale encarar esta disputa de 2012 desta forma.
Cabe ao Diretório Nacional do PT recolocar a questão nos melhores termos para o PT e para Recife. Não há consenso no PT em torno do nome do senador, os partidos da frente esperam a definição do PT e não interferem na escolha interna – mantendo a autonomia do PT para a sua própria decisão, então mantenha-se a soberania dos filiados do PT de Recife: João da Costa, prefeito do Recife.
* Carlos Henrique Árabe é secretário de Formação da Comissão Executiva Nacional do PT.

22 de jun. de 2012

A Volta dos Golpes?


Honduras, Paraguai qual será o próximo pais latino-americano que passara por um golpe de estado?


Hoje o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, sofreu um processo de impeachment sendo então destituído de seu posto de presidente e em seu lugar foi convocado o vice-presidente, Frederico Franco.

Ambos os golpes fora realizados sob a mascara de manobras constitucionais democráticas, e como todo golpe de estado com o pretexto de assegurar a democracia. Ambos os golpes tiveram outra característica peculiar, a rapidez dos processos político-institucionais que levaram à saída dos presidentes de Paraguai e Honduras.

Os países da América Latina ao saírem de suas ditaduras militares escolheram como modelo de governo o presidencialismo, modelo de governo que como ficou claro nos anos subsequentes à sua implementação requer um profundo controle do congresso por parte do Presidente caso este queira que suas propostas sejam aprovadas ou que seu governo chegue ao fim. Já que este mesmo parlamento é o único capaz constitucionalmente a garantir que o presidente continue no poder após sua eleição.

E de forma clara esse foi o caso do Paraguai.

A pergunta que se deve fazer é: Estaria a América Latina assistindo uma volta ao tempo dos golpes de estado?

Muita especulação pode ser feita, mas eu diria que Argentina, Venezuela e Equador podem ser os próximos. Eu espero que não.



Rodrigo Louriçal

16 de jun. de 2012

O passado teórico em novas bases


O passado teórico em novas bases

Retirado de Possibilidades da Política, Por Marco Aurélio Garcia

 

Em um momento de grave perda do poder de proposição e persuasão das grandes tradições do pensamento político, nada melhor do que uma volta às origens e de um esforço para recuperar elos perdidos ou mal entrelaçados. Se liberais e socialistas, por exemplo, nas suas variadas famílias e colorações, desejarem voltar a ter voz ativa nos debates acerca dos dilemas que atormentam as sociedades contemporâneas, terão de visitar seus mortos e repor em bases renovadas as poderosas ferramentas teóricas e ideológicas que inventaram para explicar a vida humana.

Convidar-nos a fazer essa viagem ao passado teórico com os olhos no presente e no futuro é o maior, mas não o único, mérito do livro De Rousseau a Gramsci (São Paulo, Boitempo, 2011), de Carlos Nelson Coutinho, filósofo e professor de teoria política da UFRJ.

Sendo ele um pensador marxista, leitores mais apressados poderiam achar que seu livro é um empenho unilateral para demonstrar a “superioridade” de Marx sobre o liberalismo. Nada mais equivocado. Primeiro, porque Carlos Nelson não é um marxista vulgar, interessado em elogiar sua “escola” contra as demais. Seu trabalho não é do doutrinador, mas do pesquisador, do historiador das ideias. Segundo, porque seu marxismo tem o sabor das vertentes que mais longe levaram a perspectiva dialética e totalizante anunciada no século XIX por Marx. Trata-se de um marxista da linhagem de Lukács e Gramsci, e isso deveria dizer tudo. Seu texto opera com categorias abrangentes mas tem elasticidade para compreender o dinamismo e o caráter contraditório das estruturas em que flui a vida humana atual, o lugar que nelas têm os sujeitos individuais e coletivos, as articulações dinâmicas entre seus vetores decisivos – o indivíduo e a sociedade, o Estado e o mercado, o todo e as partes.

O resultado nos convida a refletir sobre a potência das diferentes teorias políticas (e da sociedade) que demarcaram de modo particularmente intenso o processo de evolução das duas grandes tradições culturais e ideológicas da modernidade, o liberalismo e o socialismo. Podemos extrair dele, por exemplo, que as ideias liberais e socialistas, despidas de seus “excessos” e devidamente contextualizadas, demonstram ter muitos pontos de contato entre si. Isso, evidentemente, não elimina o que há de tensão, contradição e distinção entre elas – cada uma das quais porta uma bem estruturada concepção do mundo e um arsenal teórico próprio. Socialismo e liberalismo não são irmãos, e seria perda de tempo apagar suas divergências. São duas tradições distintas, e assim permanecerão, cada uma com suas apostas, suas convicções e seus códigos de conduta. Mas há algo nelas que também as aproxima e as alimenta, no mínimo fazendo com que seus seguidores reduzam suas taxas de autossuficiência e descubram, no outro, estímulos para se renovar ou corrigir suas limitações. Entre um liberal democrático e social como Rousseau e um marxista como Gramsci há muito mais comunidade do que entre Rousseau e um neoliberal ou entre Gramsci e um stalinista. Rousseau, por sua vez, antecipa teses – sobre a desigualdade, o interesse comum, o Estado, a liberdade e a democracia – que levariam seu liberalismo às fronteiras do socialismo e ajudariam Marx em suas formulações. Afinal, a superação do liberalismo pretendida pelos marxistas jamais significou a negação das ideias liberais, mas sim, ao contrário, sua superação, a assimilação do que há de mais avançado nelas.

Não é acidental que o livro de Carlos Nelson abra com um belo ensaio sobre Rousseau, o democrata liberal que tanta resistência encontra entre os liberais, siga com um ensaio sobre Hegel e a “vontade geral” para então desaguar num conjunto de textos dedicados a Gramsci, o mais universal, polêmico e criativo pensador marxista. O livro não diz isso, mas é como se dissesse: estão nessas expressões da teoria política alguns dos mais importantes elos que propiciam a fundamentação de uma teoria moderna da democracia. Elos tensos, complexos, nada mecânicos. Se Rousseau descobrira na “vontade geral” o veículo para afirmar a prioridade do público sobre o privado, Hegel buscaria a conciliação entre a liberdade individual e uma ordem social realista na qual o Estado responderia por funções construtivas fundamentais, como garante da vontade geral. Tal inflexão, que alargou o liberalismo, desembocaria em Marx e ganharia plena expressão com Gramsci, que refunda a teoria do Estado sem subsumir a ela a democracia e a liberdade individual.

Seria pertinente perguntar o que teria levado liberais e socialistas, com suas ideias tão carregadas de convergências potenciais, a construir trajetórias tão díspares e competitivas. Uma resposta seria: sempre que a questão democrática substantiva (ou seja, não meramente procedimental) foi privilegiada, como em Rousseau, Marx e Gramsci, liberais e socialistas puderam caminhar juntos e se retroalimentar. Talvez seja por isso que o livro marque muitos pontos ao sugerir que “uma teoria da democracia adequada ao nosso tempo” só poderá ser elaborada mediante um “profundo diálogo com a herança de Rousseau”, a incorporação das “contribuições decisivas” de Hegel e a devida atualização do marxismo e da tradição socialista, para o que Gramsci fornece base rica e consistente.


Livros como esse abrem enormes clareiras para o pensamento crítico interessado em agir sobre o mundo. [Publicado em O Estado de S. Paulo, Caderno Sabático, 15/06/2012, p. S7].