13 de ago. de 2012

O que há de escandaloso no escândalo Libor?

O que se chama de “escândalo” é, na verdade, o coração do sistema.

POR IMMANUEL WALLERSTEIN

Desde 4 de julho, lemos nos maiores jornais do mundo e nas declarações de deputados, dirigentes de bancos centrais e autoridades judiciais que há um “escândalo” a envolver uma coisa chamada Libor. Antes disso, poucas pessoas, para além do grupo que se interessa por bancos, tinham ouvido falar da Libor. Subitamente, disseram-nos que os maiores bancos da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos, da Suíça, da Alemanha, de França, e provavelmente de um grande número de outros países, estavam envolvidos em ações supostamente “fraudulentas”.

Além disso, explicaram-nos que não se tratava de uma questão de centavos. Derivados financeiros de centenas de trilhões de dólares baseiam-se na taxa Libor. A acusação era de que os bancos “manipulavam” esta taxa, obtendo não só lucros astronómicos; só que, por outro lado, as pessoas que estavam pagando hipotecas e empréstimos, ou os estudantes que estavam pagando empréstimos, pagaram mais do que deveriam. Resumindo: os bancos obtiveram, de fato, lucros enormes à custa de outros, que tiveram perdas pesadas.

Tudo isso suscitou muitas questões. (1) Como isso foi possível? (2) Por que as autoridades reguladoras não interromperam uma prática que agora dizem ser tão fraudulenta; ou seja: quem sabia o quê e quando? E (3) alguma coisa pode ser feita para garantir que isto não aconteça novamente?
Vamos começar com a definição da taxa Libor. É uma abreviação de London Interbank Offered Rate (Taxa Interbancária Praticada em Londres). Não é muito antiga: a versão definitiva é de 1986. Na época, a British Bankers Association (Associação dos Banqueiros Britânicos) pediu que os “maiores bancos” compartilhassem informação diária sobre as taxas de juros que pagariam, se tomassem empréstimos de outros bancos. Depois de eliminados os valores extremos, determinava-se uma taxa média, modificada diariamente. A ideia era que, se os bancos se sentissem confiantes sobre o estado da economia, a taxa seria mais baixa; se estivessem inseguros, a taxa seria mais alta.
Quando a imprensa mundial usou a palavra “escândalo” para falar sobre a Libor, ficou claro que o tema tinha sido debatido muito antes, em ambientes menos visíveis. Parece que o Wall Street Journal tinha divulgado um estudo, em 29 de maio de 2008 (sim, em 2008!), sugerindo que alguns bancos estavam subestimando os custos dos empréstimos. Outros imediatamente disseram que o estudo era impreciso ou, se correto, que os bancos tinham agido de forma inadvertida. Análises acadêmicas subsequentes sugeriram, contudo, que a acusação de subestimação dos custos era de fato verdadeira.


A questão é que quando um banco está a lidar com 50 trilhões de dólares em valores teóricos, uma pequena subestimação de taxas gera imediatamente um aumento significativo dos lucros. Assim, a tentação era óbvia. Acontece que, já no início de 2007, tanto o Federal Reserve quanto o Banco da Inglaterra suspeitaram dessa subnotificação. Nenhum fez muita coisa.
Agora dizem-nos que essas taxas, longe de serem confiáveis ou estáveis, são na verdade meras “suposições”. Desde que o Lehman Brothers entrou em colapso, os bancos em todo o mundo deixaram de realizar empréstimos entre si. Como disse o New York Times, num artigo de 19 de julho de 2012: “As taxas precisas têm pouca base real”. Em 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos começou uma investigação criminal. Graças a fugas de informação, sabemos agora que houve trocas de e-mails entre banqueiros que falavam alegremente da subestimação das taxas, e encorajavam a fazê-lo. Por que não? Estavam a ganhar muito dinheiro.


No meio disto tudo, o Independent publicou uma reportagem de duas páginas sobre os paraísos fiscais, e a quantidade incrível de dinheiro que sai dos países do Sul global para esses lugares, privando-os assim de valores que provavelmente seriam mais que suficientes para financiar as transformações econômicas e a redistribuição de rendimentos que estes países afirmam querer pôr em prática. Ao contrário das manipulações da Libor, os paraísos fiscais são perfeitamente legais.
Então, onde está o escândalo? As duas práticas – manipulação da Libor e transferência de dinheiro para os paraísos fiscais – são absolutamente normais numa economia-mundo capitalista. A finalidade do capitalismo, afinal de contas, é a acumulação de capital – quanto mais, melhor. Um capitalista que não maximiza os ganhos, de uma forma ou de outra, será mais tarde ou mais cedo eliminado do jogo.
O papel dos Estados nunca foi controlar ou limitar estas práticas, mas fazer vista grossa pelo máximo de tempo possível. Uma vez ou outra, as práticas – dos capitalistas e dos Estados – são momentaneamente expostas. Algumas pessoas vão para a cadeia, ou são forçadas a devolver os lucros tecnicamente ilegais. E os políticos falam de reformas – procurando adotar, com grande alarde, o nível mais baixo de “reforma” que puderem.


Mas isto não é um escândalo, porque o que se chama de “escândalo” é, na verdade, o coração do sistema. Algum dia vai isto mudar? Sim, claro. Um dia, o sistema deixará de existirá. Claro que isso abre outra questão. O próximo sistema será melhor? É possível, mas não é certo.
Enquanto isso, chamar a manipulação da Libor de escândalo é desviar as atenções do fato de que se trata de mais uma forma normal de acumular capital. Em 1992, James Carville, estrategista da campanha do então candidato Bill Clinton à Presidência dos EUA, saiu-se com um dito que ficou famoso: “É a economia, estúpido”. Frente aos chamados escândalos, deveríamos dizer “É o sistema, estúpido”.



Direto de Esquerda.Net

(*) Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

9 de ago. de 2012

Os Meios e os Fins


Autor: 
 , direto de Advivo
Marcos Coimbra
Há os que desgostam do PT, dos petistas e de tudo que fazem com tal intensidade que  qualquer explicação é desnecessária. Apenas têm aversão profunda pelo que o partido representa.
Alguns a desenvolveram por preferir outros partidos e outras ideias. Mas são a minoria. Os mais sinceros anti-petistas são os que somente sentem ojeriza pelo PT. Veem um petista e ficam arrepiados.
Sequer sabem a razão de tanta implicância.
Detestavam o PT quando era oposição - dizendo que era intransigente - e o detestam agora que está no governo pela razão oposta - acham que é tolerante demais. Odiavam os petistas quando vestiam camiseta e discursavam na porta das fábricas. Hoje, os abominam porque usam terno e gravata e a fazem pronunciamentos no Congresso.  
Um dos argumentos que invocam para justificar a birra é capcioso: o mito da “infância dourada” do PT, quando ele teria sido virginal e puro. O invocam com o intuito exclusivo de ressaltar que teria perdido algo que, em seu tempo, não admitiam que tivesse.
O PT abstrato e irreal que criaram é uma figura retórica para denunciar o PT que existe de fato - que não é nem menos, nem mais real que os outros partidos que temos no Brasil e no mundo.
Além desse anti-petismo figadal e baseado em pouco mais que um atávico conservadorismo, há outro. Que pretende ser mais sóbrio.  
Nestes tempos de julgamento do “mensalão”, é fácil encontrá-lo.
Seus expoentes são mais racionais e menos folclóricos. Usam uma lógica que parece sólida.
O que mais os caracteriza é dizer que não discutem os fins e sim os meios do PT. Que não são anti-petistas por definição, mas que repudiam aquilo que os líderes petistas fizeram para chegar ao Planalto - e passaram a fazer depois que o partido lá se instalou.     
Ou seja, sua oposição não questionaria o projeto petista, mas sua tática. Não haveria problema no fato de o PT querer estar - e estar - no poder. Mas em o partido ter usado meios inaceitáveis para lá chegar e permanecer. 
Parece uma conversa bonita. E nada mais é que isso.
No fundo, esse anti-petismo é igual ao outro. Sua aparente sofisticação apenas dá nova roupagem aos mesmos sentimentos.
O que o anti-petismo não perdoa em José Dirceu - e outras lideranças que estão sendo julgadas - não é ter usado “meios moralmente errados” para alcançar “fins politicamente aceitáveis”. Salvo os mal informados, seus expoentes sabem que o que o ex-ministro fez é o mesmo que, na essência, fariam seus adversários se estivessem em seu lugar - sem tirar, nem por.
Quem duvidar, que pesquise quem foi e como atuava Sérgio Motta, o popular “Serjão”, “trator” nas campanhas e governos tucanos.
(Com ele, não havia meias palavras: estava em campo para garantir - seja a que preço fosse -, 20 anos de hegemonia para o PSDB - e que ninguém viesse a ele com a cantilena da “alternância de poder”. Não foi por falta de seu empenho que o projeto gorou.)
O pecado de José Dirceu é ter tido sucesso no alcance dos fins a que se propôs - um sucesso, aliás, notável.
Sem sua participação, é pouco provável que tivéssemos o “lulopetismo” - um dos mais importantes fenômenos políticos de nossa história, gostem ou não seus adversários. Sem ele, o Brasil não seria o que é.
Isso é muito mais do que se pode dizer de quase todos os contemporâneos.
Mas é essa a realidade. Enquanto José Dirceu vive sua ansiedade, Sérgio Motta é nome de ponte em Mato Grosso, anfiteatro em Fortaleza, centro cultural em São Paulo, praça no Rio de Janeiro, edifício em Brasília, avenida em Teresina, usina hidroelétrica no interior de São Paulo e rua na longínqua Garrafão do Norte, nos rincões do Pará.
E de um instituto em sua memória, patrocinado pelo governo federal, que distribui importante prêmio de arte e tecnologia.
Gente fina é outra coisa.